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04 março 2007

Minha geração foi atropelada

(Adriano Silva)

Há 15 anos uma professora que tive cunhou uma síntese poderosa sobre sua geração. Ela disse que tinha sido vítima de seus pais. Em sua infância, as crianças não tinham direito a nada - nem a voz, nem a vez, nem a voto. E era usual os pais baterem nos filhos - às vezes muito - em nome da pedagogia.

Com desconsolo, ela constatava que, adulta, se tornara vítima dos filhos. Ao não reproduzir o modelo de pais brutais que sofrera, sua geração acabara produzindo filhos que só admitiam direitos e regalias, não reconheciam obrigações e responsabilidades e, sem jamais ter experimentado a sola de um chinelo, até agrediam os pais fisicamente. Ela lamentava ter nascido numa geração que talvez tenha sido a única na História a tomar pancada tanto de cima quanto de baixo. Como criança, só comia depois de os adultos terminarem a refeição. Como mãe, só depois de alimentar os filhos. Como criança, ia aonde quer que seus pais fossem. Como mãe, adaptava sua agenda aos programas dos filhos.


Quem dá as cartas
hoje é a turma que
veio montada na
revolução da internet

Minha geração vive uma situação parecida. Nós, que temos entre 30 e 40 anos, somos talvez a primeira geração que não dará o tom de sua época. Até a geração anterior, o sujeito crescia sob a égide da geração dos pais - até virar adulto e assumir as rédeas. Aí passava a ditar as regras. E gozava pelo menos 20 anos na torre de comando, definindo com seus contemporâneos a vida ao redor.

Minha geração não terá esse privilégio. Mal rompemos o padrão definido pela geração de nossos pais e já estamos a reboque dos impactos da novíssima geração. Somos atropelados por nossos sobrinhos e irmãos caçulas. A alma do planeta está deixando de ter as feições de nossos pais e já está adquirindo a cara de nossos filhos. Quem, como eu, nasceu entre 1965 e 1975, mais ou menos, compõe a última geração analógica da História. Quem dá as cartas hoje é a geração que veio montada na maior revolução de nossa época - a internet -, a garotada que tem menos de 25 anos e já nasceu digital.

O videogame não é natural para minha geração. Ao menos não o que se entende por "game" hoje (a palavra "vídeo" caiu em desuso, virou um termo ultrapassado associado a minha geração): uma religião que envolve realidade virtual, sessões de dez horas à frente do computador contra adversários em outros continentes, joysticks com 20 botões ou até jogos sem joystick! Absorvemos bem a chegada da internet, nos anos 90. Mas somos usuários arcaicos. Não temos um plugue que nos conecte, sem adaptador, a experiências como Second Life, Orkut, MSN. A blogsfera, para nós, é uma ilha que contemplamos com interesse, mas sempre de longe. Podemos estar abdicando do jornal como objeto, mas ainda gostamos de ter uma pilha de livros na cabeceira da cama e de levar uma revista para o banheiro.

Também não entramos de cabeça no mercado de downloads. Até temos um tocador de MP3. Mas ainda gostamos de comprar CDs, de polir bolachões de vinil, de encher a prateleira com DVDs a que dificilmente assistiremos. Somos, ainda, seres físicos, orgânicos. Enquanto a nova geração, que está nos tomando o cetro, é virtual, feita de códigos binários e bits por segundo.

Adriano Silva é jornalista

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